A fé é atacada
Do decorrer da história
a igreja sofreu diversos ataques, tanto em relação a sua conduta quanto as
doutrinas. Embora não houvesse uma perseguição de forma sistematizada contra os
cristãos, estes tinham que tomar precauções no tocante a suas práticas e
ensinos, pois quem quisesse destruir um cristão, a única coisa que precisava
fazer era leva-lo aos tribunais e levantar falso contra ele.
Nessas circunstâncias,
os cristãos viram que precisavam fazer de tudo para livrar-se de quaisquer
falsas acusações. Daí surgiu grandes obras de apologética cristã, escritas
anteriormente ao ano 138, das quais cito: “Discurso a Diogneto”, autor anônimo;
“Diálogo com Trifon”, de Justino, o Mártir; “Discurso aos gregos”, composição
de Taciano, discípulo de Justino. Posteriormente, por volta do ano 180,
Teófilo, bispo de Antioquia compôs “Três livros a Autólico”.
1.
O surgimento das seitas e heresias
Muitos ao se
converterem a nova fé, traziam consigo uma bagagem cultural, especialmente no
que diz respeito ao misticismo grego. Na medida em que a doutrina teológica se
desenvolvia, surgiam seitas e heresias até mesmo no meio da igreja.
A principal seita a ser
combatida era o gnosticismo (“gnosis”, “sabedoria” ou “conhecimento”). Os
gnósticos buscavam uma reinterpretação da fé cristã de maneira inaceitável a igreja.
Eles acreditavam que toda matéria era má; que o homem
é um espírito eterno preso a este corpo, que por sinal, é mau; toda a realidade
é espiritual.
Criam também que o Deus
supremo queria ter criado um mundo somente espiritual. Já o mundo material foi
criado pelas divindades que emanam dele. Essas divindades podem ser boas ou
ruins, razão pela qual o bem e o mal existem. Segundo os gnósticos, Cristo foi
uma dessas “emanações”, e que por algum tempo a natureza divina habitou nele.
Outras heresias surgiram com
Márcion, filho do bispo de Sinope, na região do Ponto. Ele ensinava doutrinas
que contradiziam a fé cristã, por isso, muitos se afastaram dele, o que o
motivou a fundar sua própria igreja.
Márcion cria que este mundo
era mau e que o seu criador é Jeová, um deus inferior em relação ao Deus do
Novo Testamento. Jeová, o deus do Antigo Testamento, é um deus arbitrário,
vingativo e ciumento; enquanto Deus, o Pai de Jesus, é Deus de amor e Justiça.
De acordo com Márcion, Jesus não nasceu de Maria, mas apareceu neste mundo já
maduro na época do imperador Tibério.
2.
A resposta da igreja: O Credo dos Apóstolos
A igreja ainda não
tinha todos os livros do Novo Testamento reunidos como temos hoje. Por isso,
para os cristãos o livro sagrado era o mesmo dos judeus: as “Escrituras”, na
versão grega “Septuaginta”. Então, a igreja tratou de reunir todos os livros
neotestamentários, a fim de mostrar a harmonia daqueles livros em relação aos
ensinos de Jesus.
Outra resposta da
igreja ao desafio dos gnósticos e de Márcion foi o chamado “Credo dos
Apóstolos”, o que naquela época era chamado de “símbolo de fé”. Os cristãos
viram a necessidade de elaborar uma confissão para mostrar o que sustentavam
como a verdadeira fé, diante de uma série de doutrinas falsas. Isto é
semelhante ao que chamamos de “Declaração de Fé”.
Assim foi formulado o
Credo dos Apóstolos, dos séculos III e IV:
Creio em Deus Pai
Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor; concebido pelo Espírito Santo e nascido da Virgem Maria; que padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; que subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, na santa igreja católica, na comunhão dos santos, na remissão de pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.
E em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor; concebido pelo Espírito Santo e nascido da Virgem Maria; que padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; que subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, na santa igreja católica, na comunhão dos santos, na remissão de pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.
Este credo tem
o propósito de rejeitar as doutrinas heréticas dos gnósticos e, principalmente,
de Márcion. Portanto, é importante analisar detidamente nessas palavras
proferidas.
O texto inicia
declarando que Deus é “Todo-Poderoso”, isto é, Senhor, governador de tudo,
tanto do mundo em forma material quanto espiritual. Deus não só governa o
universo como é o “Criador dos céus e da terra”. Ao contrário do que ensina o gnosticismo,
a Bíblia ensina que só há um Deus, o Todo-Poderoso e Criador de tudo o que
existe nos céus e na terra.
Outra verdade
que o credo declara é de que Jesus é o Filho do Deus “Todo-Poderoso”, declarado
no verso anterior. Só existe um Deus, do qual o Senhor Jesus é Filho. Ao
contrário do que dizia Márcion, de que Jesus era filho apenas do Deus do Novo
Testamento.
Ainda, em
relação a Jesus Cristo, a confissão fala do seu nascimento: “nascido da Virgem
Maria”. Ele de fato nasceu, como homem, de “carne e osso”. Não apareceu
repentinamente e do nada já na fase adulta, mas viveu experiências humanas. Ao
fazer referência a “Pôncio Pilatos”, os cristãos estão declarando que Cristo é
também um ser histórico. Aqui se busca dar uma data concreta, a fim de comprovar
a Sua existência e de mostrar que ele não é um ser mitológico, como muitos
gnósticos acreditavam.
A declaração
de que Cristo “foi crucificado (...) assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso”,
é utilizada para refutar o docetismo, o qual defendia que o corpo de Cristo não
era real e que sua crucificação teria sido apenas aparente.
Por último, a
respeito de Cristo, o credo ainda diz: “há de vir para julgar os vivos e os
mortos”. Para Márcion, como mostramos anteriormente, o Deus Pai de Jesus é um
ser amoroso, que não é vingativo, nem condena ninguém, diferentemente do deus
Jeová. Porém, o que a confissão mostra é que até mesmo Cristo é um Julgador.
Ele irá fazer justiça na sua segunda vinda.
Os cristãos
queriam enfatizar a autoridade da igreja ao dizer: “Creio no Espírito Santo, na
santa igreja católica”, uma vez que ela tinha recebido o “depósito da fé”.
ÁRIO E O CREDO DE NICÉIA
Outras
doutrinas heréticas que ameaçavam a verdadeira mensagem do cristianismo
surgiram no início do terceiro século. Ário era um presbítero da cidade de
Alexandria. A controvérsia em questão era relacionada à divindade de Cristo e a
Trindade. Segundo Ário, apoiado por Eusébio de Nicomédia, Jesus Cristo, o Verbo,
não é Deus, mas foi criado por Deus.
Após uma série
de discursos no concílio de Nicéia, evento organizado para tratar do assunto em
questão, aos gritos de “blasfêmia” contra Eusébio, este teve suas doutrinas
condenadas pela maior parte dos que estavam presentes. A assembleia, então,
decidiu compor um credo que expressasse a fé da igreja com relação às questões
debatidas. O credo, o que conhecemos como “Credo de Nicéia”, exarado em 325
a.d. e revisado em Constantinopla em 381 a.d., chegou-se a forma que adiante
segue:
Cremos em um só Deus, Pai,
Todo-Poderoso, Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor Jesus Cristo, o
unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Luz da Luz,
verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, de uma só substância
com o Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual, por nós homens e por
nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo e da
Virgem Maria, e tornou-se homem, e foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos,
e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, conforme as
Escrituras, e subiu aos céus e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de
vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e o seu reino não terá fim.
E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador,
que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado
e glorificado, que falou através dos profetas. E na Igreja una, santa, católica
e apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a
ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro.
Percebe-se
que, no credo proferido, é dito que existe “um só Deus (...) Criador de todas
as coisas”, para mostrar que os cristãos não são politeístas, como alguns
heréticos julgavam em virtude da crença na divindade de Cristo.
O ensinamento
de que Cristo é apenas um ser criado por Deus é diretamente excluído pelo credo
ao dizer: “gerado pelo Pai (...) verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado,
não criado, de uma só substância com o Pai”. Isto é, Jesus não foi criado por
Deus e nem há diferenças ele e o Pai quanto à substância divina.
ÊUTICO E O CREDO DE CALCEDÔNIA
No quarto
século, a controvérsia em questão era cristológica. Cristo é verdadeiramente
Deus e verdadeiro homem? Alguns não conseguiam conceber o fato de em Cristo
habitar duas naturezas depois da encarnação: humana e divina. Essa era a
convicção de Êutico, um monge que morava em Constantinopla. Para ele, Cristo
era consubstancial conosco. Vala ressaltar que pouco antes de Êutico, foi
discutida pela igreja a frase “Maria mãe de Deus”. O que foi declarado pela
igreja é que Maria era mesmo a mãe de Deus, não a fim de venerá-la, mas para
confirmar que em Cristo há duas naturezas.
Para afirmar a
condenação da doutrina eutiquiana, foi formulado, no concílio de Calcedônia em
451 A.D. a “Definição de fé”, o que conhecemos como Credo de Calcedônia, conforme
segue adiante:
Fiéis aos santos Pais, todos
nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo
Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito
quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de
alma racional e de corpo, consubstancial com o Pai, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós,
excetuando o pecado; gerado segundo a divindade pelo Pai antes de todos os
séculos, e nestes últimos dias, segundo a humanidade, por nós e para nossa
salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus; um e só mesmo Cristo, Filho,
Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis,
imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é
anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada natureza,
concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência; não separado nem
dividido em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de
Deus, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio acerca dele
testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o Credo dos santos Pais
nos transmitiu.
Os credos que
analisamos nos ensina que devemos defender a nossa fé, não com debates sem
fundamento, sobre assuntos que nem acrescenta nem diminui a vida cristã, mas
sobre questões fundamentais do cristianismo bíblico; e que é muito importante o
estudo da teologia, sem o qual não podemos falar de Deus nem de Sua palavra.
REFERÊNCIAS
González, Justo
L. Uma história ilustrada do cristianismo vol. 1: a era das trevas. São Paulo:
Vida Nova, 1995.
_______________.
Uma história ilustrada do cristianismo vol. 2: a era dos gigantes. São Paulo:
Vida Nova, 1995.
HURLBUT, Jesse
Lyman. História da igreja cristã. São Paulo: Vida, 2002.
WALTON, Robert C. História da Igreja em
quadros. São Paulo: Vida, 2000.
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